Quando os meus tios se juntam, contam e relembram histórias muito inspiradoras da sua infância em Cabo Verde.
São tantas as histórias que nos deliciam e nos ensinam.
Um dos melhores ensinamentos que o meu tio Jaime me presenteou na adolescência foi o "Há que saber adiar o prazer."
A história que aqui vos conto ilustra esse ensinamento.
É a história de como é ser uma criança que vive à espera que uma manga brote, cresça e amadureça na árvore, de como é a sua espera diária e paciente.
A contagem dos longos dias que faltam para que a manga possa ser arrancada, e chupada pelas pequenas mãos de uma criança.
O meu tio diz que aquela espera dava ao momento uma intensidade como nenhum outra.
Não havia mais nada de doce, que não fosse oferecido sem qualquer expectativa de agradecimento ou dívida.
A minha mãe conta que mesmo assim não era fácil, porque as melhores mangas eram aquelas que estavam mais acima e inacessíveis, que cresciam expostas ao sol e não à sombra, mas era preciso as crianças serem muito ágeis para as apanhar.
O mais ágil dos irmãos era o meu tio Toi, que faleceu vítima de esquizofrenia.
Tenho praticado toda a elasticidade que a vida me permite para um dia subir à árvore, arrancar a manga que nada me cobrará, e chupá-la em profundo êxtase.
Sou paciente, quero conseguir colher e saborear a manga divina, aquela que cresce ao Sol.
Mas eu não vou fazer como ele. Vou usar todas as catanas, cordas e instrumentos que recolhi nos meus pedidos de ajuda, para nunca cair da árvore.
Infelizmente, a vida não lhe deu catanas, nem cordas nem qualquer outro instrumento.